João

O meu primeiro namorado chamava-se João.
Chamava-se João e tinha a pele morena,desviada num olhar de lince.
O meu primeiro namorado chamava-se João,e foi o primeiro rapaz a roubar-me um beijo,que partiu dos meus lábios encarnados de menina.
Foi o primeiro a escrever-me cartas de amor,e o primeiro a fazer-me sentir adulta num corpo de criança.
O primeiro a prender o meu olhar num par de mãos dadas,e a fazer-me sonhar diariamente em coisas impossíveis.
Chamava-se João,e foi o primeiro com quem combinava saídas clandestinas das aulas para a casa de banho.
O João foi a minha primeira alma gémea,com quem partilhava tudo,até os complexos com o ultimo nome.
Não o vejo há anos,mas ainda penso nele.
O meu primeiro namorado chamava-se João.Fez-me agarrar a um preconceito de nomes que ainda hoje se mantem.Nunca conheci um outro que não me fizesse lembrar dele.
Foi o primeiro a dar-me prendas no Natal e no dia dos namorados,e o primeiro a fazer-me chorar.
Nunca mais o vi,mas aposto que fizemos o mesmo percurso.
O João era orgulhoso e diferente dos outros meninos.Orgulhosamente inteligente e incompreendido.
Foi o primeiro a sentir-me bonita,e o primeiro a traír-me.
Chamava-se João.Ensinou-me o que era o amor e o ciúme,ensinou-me a sofrer e escrever poemas infantis sobre paixões que duravam para sempre,e tinham sempre um final feliz.
O meu primeiro namorado chamava-se João e apesar de tudo o que passamos,tinha 6 anos,e foi a minha primeira desilusão.

Esta noite

Esta noite vou dormir.Vou preencher os vazios que há muito estão a transbordar.Esta noite,vou não pensar,e não magoar ninguem.Vou proteger-me do sono e esquecer.
Esta noite vou assaltar-me para não ser roubada,por quem o faz.Vou pegar no meu corpo e evapora-lo.
Esta noite vou dormir,porque já não me aguento.Canso-me como um livro que já li mais de 10 vezes,e sei de cor todos os finais.Esta noite não o vou ler.
Esta noite queria escutar para não falar,preciso do impossivel.Vou impossibilitar-me.
Esta noite não sou eu quem escreve,são as minhas mãos impregnadas de vicio.
Esta noite vou desintoxicar-me,vomitar todas as esperanças que pintei de negro.Vou voltar a pintar-me.
Esta noite,não estou cá.Estou algures entre aqui,e lá.Estou demasiado cansada para fazer mover as minhas olheiras cor de céu nublado.
Esta noite vou embora.

Quero respostas aos meus pontos de interrogação,se alguem os for capaz de dar.A audácia é uma palavra feia.

Lilás

Vais dar por mim um dia...
Vais dar por mim um dia...
Vais dar por mim um dia.

Quando já a luz tiver findado a sua história
Terás o meu toque de veludo na memória.
Acordarás com o tempo pesado entre teus braços
Pedirás "Volta" sofregamente,ansiando laços.
E eu vou acenar-te lá longe e cantar-te "Eu existia"

Vais dar por mim um dia...
Vais dar por mim um dia...
Vais dar por mim um dia.

Quando já for tarde e o desespero me trouxer o que temia,
Terás a minha voz de mel colada em tua mente.
Acordarás ressentido,de tanta dor à tua frente...
Pedirás docemente perdão,desejando paz.
E eu vou sorrir e deixar-te,com o meu melhor aroma lilás.

Vais dar por mim um dia...
Vais dar por mim um dia...
Vais dar por mim um dia.

O tempo não mata o que é imortal
O tempo não apressa a noite ao seu final
O tempo irá ensinar-te meu amor.
O amor a seu tempo o ensinará.

Eu continuo aqui

Onde estás tu?Estás bem?Eu não.
Fingi-me de forte no ínicio do teu fim,mas não o sou.
Estou frágil e preciso de saber se estás bem,se te lembras de quem o faz por ti.
Lembras-te de mim?Esqueceste-me?Eu não.
Doi sentir-me sozinha porque no meio de mil pessoas és a unica com quem me sentia bem.A unica com quem podia chorar e fazer silencio.
Vamos ao café como faziamos antes...Vamos comprar gomas e fumar para a praia.Vamos.Diz que vamos.
Onde estás tu?Nunca mais te vi...
Dizem que voltaste aos bons tempos.Porque é que não me levaste?Eu ia sempre...
Já não me lembro como se sorri,volta a ensinar-me.
Já não me lembro de como é abraçar-te,"vem ter comigo".
Eu esqueço que me negaste a vida,se ressuscitares o que havia.
Onde estás tu?Não vês que me sinto sozinha?
Será que mereces isto tudo?

Pôr de Sol

A vingança sacia.
Sentada numa cama há muito desfeita,fria.
Amparando seus braços de ódio numa cabeceira macia.
A vingança sacia...
Reflecte o cabelo dourado e rebelde num vidro sujo,
Lentamente a morte do desejo,aprecia.
As casas brancas impuras,virgens do céu cor de carne,que as não toca.
A vingança sacia.
O olhar encandescente de uma estrela moribunda,despida de adeus.
Sua mão de raivas enfrenta o vento instável de carinhos,
Ninguem.O vazio do fim e seus caminhos,
Já mais não mostra.
A vingança sacia.
E ela,dura,observa atentamente,fria,
O horizonte de pecados,cor-de-magma,
Um cigarro inapagado à sua beira.
O fim haveria de vir,à sua insubordinada maneira.
A vingança sacia.

3 Passos

No outro dia vi um filme que me fez pensar em muita coisa,rever muitas certezas.Falava de magia.Quando era criança adorava magia,detestava circo,mas fazia birra para me levarem só pelo espetaculo de magia.Todos aqueles truques me pareciam impossíveis,ainda não estava consciencializada de que eram apenas isso,truques.Tal como as crianças,os adultos tambem apreciam magia.O espetáculo de magia,na verdade não tem nada de sobrenatural,tem aquilo que queremos ver ao olhar para ele.

Algures no filme diziam que havia 3 Passos num truque de magia.

O primeiro passo,é simples,qualquer pessoa consegue fazer,trata-se de uma demonstração.Um mágico pega num objecto,ou numa pessoa,algo perfeitamente normal aos olhos de um publico.Pergunta-se aos espectadores o que estão a ver naquele objecto ou pessoa,pede-se-lhes que encontrem algo fora do vulgar,alguma irregularidade,mas nada.A intenção é suscitar curiosidade,fazer uma pessoa que vai ver um espetáculo interessar-se,ficar intrigada,e consequentemente observar,olhar para o objecto perdendo noção que existe mundo e vida em volta.Não encontra,porque é propositado.
O segundo passo é aparentemente a magia de todo o acto.O mágico faz desaparecer esse objecto,pessoa ou animal.E publico abismado,não bate palmas.Sabe à partida que aquilo não pode ser real,houve um truque,algo que não se irá compreender após abandonar o espetaculo.É aí que surge o terceiro e ultimo passo,o mais importante,o grandioso.
O terceiro passo consiste em fazer reaparecer o objecto ou pessoa desaparecido.Só aí o artista recebe aplausos,só aí é venerado.

Magia não é fazer algo desaparecer,é possuir a arte de o trazer de volta.

Mortos vivos

Hoje dormi tão bem...
E ainda nem me deitei.
A minha cama abre-me os braços,
Vejo os teus olhos.
Seduzem me clandestinamente enevoados
Existem laços
Hoje,fui eu quem criou o sonho.

Amanha vou acordar triste...
E ainda nem adormeci.
A luz luta comigo pelo vidro
Vejo o teu sorriso.
Ilumina-me como uma lampada de electricidade falsa.
Existem suspiros.
Amanhã,vou ser eu quem criou o sonho.

Ontem dormia acordada...
E nem sequer dormi.
O chão branco e frio recorda-me de ti.
Vejo a tua face pálida,
Ofusca-me roubando-me lágrimas cristalinas.
Existem saudades.
Ontem,fomos nós quem criou o sonho.

Agora dormimos ambos,simplesmente.
Não mais acordamos do sono eterno.
O céu e as trevas engolem-nos os corpos.
Não sentimos nada.
Resta a culpa,os remorsos,e a incapacidade.
Existe o que lá ficou.
Ontem,hoje,e o amanhã por existir.

O sangue frio é meu e teu,
O suor frio é teu e meu.
O amor que não havia,morreu.
Somos mortos vivos,tu e eu.

Voltas

A musica diz e é verdade,és um anjo que criava luz dentro de mim.Quando o mundo desabava,eu não pensava que precisava de ti,ao contrário do que pensas,eu pensava que um dia podias vir a precisar de alguem,e aguentava-me para poder estar lá.Fosse quando fosse.
A vida dá muitas voltas...Hoje só consigo pensar no que te terei feito,nada.Tenho pena que te tenhas afastado quando eras a unica coisa que valia a pena para mim,fizeste-me mudar todas as minhas percepções em relação à vida e ao nosso sentido no mundo.Descobri que a confiança não existe,a amizade não passa de uma ilusão temporária,reflectida em espelhos partidos.Não,não tenho curiosidade em saber o motivo que te levou a afastares-te.Há um ano atrás fui eu que me afastei,porque me apaixonei por ti.Na verdade nunca passou essa paixão,e acho que acima de tudo sabes isso sem nunca termos falado do assunto.Perguntaram-me uma vez se te amava,"claro",era uma resposta tão sincera que sou capaz de a repetir mesmo magoada,mesmo sabendo que não a ouves,que não a sentes.Se não fosses tu eu não estaria aqui a escrever esta carta de agradecimento e despedida em simultaneo,a vida nunca fez sentido para mim,e há coisas que nunca mudam.
Mil e uma cartas não seriam suficientes para te dizer metade do que gostaria.
A amizade não existe,deixaste-me perdida,quando eras o unico em quem acreditava,quando dizia "vai ficar tudo bem,o amanhã vai ser melhor".
Agora é tarde,as voltas continuam,e eu não sei onde este caminho de trevas vai dar,como algures soube porque me dizias.
Tenho saudades tuas,voltas?
Foi tudo uma mentira e andámos às voltas?
Eu amo 3 coisas na vida,se fossem um triangulo estarias no cimo,no vértice principal.
Sabes como sei que é amor?Porque estou magoada,porque doi,porque te sinto como se fosses meu sangue,porque mesmo assim,quero que voltes.
Volta...
Mais uma volta.

Crónicas da miuda com insónias

Era uma miuda como outra qualquer.Ligeiramente mais complicada,é de confessar,mas apenas uma miuda.
Dava por si às 4 da manhã no seu quarto,em boxers e camisola de alças finas que lhe caiam pelos ombros como chuva,a ver "o sexo e a cidade",em busca de novos pensamentos.Não aprendia muito mais do que a experiencia já lhe tinha ensinado,porem,há noites mais produtivas que outras.Deitada na sua cama encostada à parede,junto à janela,cama essa por fazer há meses,olhava a tv e as estrelas intermitentemente,como flashes.Essas alturas sabiam-lhe tão bem,que desejava o dia inteiro que anoitecesse,que a escuridão lhe enchesse o quarto e lhe esvaziasse a memória que não a deixava ser aquilo que realmente era,uma miuda.
Ao passar por toda esta magia nocturna,no final de todas as séries,quando já nada dava na tv que lhe dispertasse interesse,dançava.Descia da sua cama desfeita,escorregava pelos lençois amarrotados,e dançava no centro do quarto,de frente para a janela como se esperrasse que alguem a estivesse a ver,algures numa janela longinqua.Era apenas um desejo inocente,que talvez possuísse um pouco de indecencia,que sabia não se concretizar,sabia bem,isso é que importava,aqueles instantes eram breves,não tarda o Sol nascia e com ele a rotina.
Tinha de gravar estes momentos.Num deles,saltou da cama tão depressa que deixou cair a mala onde ia buscar um caderno para escrever,o caderno preto cheio de rasgões.Olhou para o chão branco sujo e viu a sua vida despejada em pedaços,coisas que levava com ela todas os dias e ninguem reparava.Coisas que a descreviam como pessoa,como miuda.O caderno,o leitor de mp3,a caneta,as chaves que tinha um pequeno puzzle com o seu segundo nome,aquele que ela odiava que lhe chamassem.Todas estas pequeninas coisas que saíram daquela mala gritavam o seu nome,a sua identidade.
Num ápice tinham passado 2 horas,o relógio não marcava 5,nem 6 da manhã,marcava as horas de sono que ia ter antes de acordar,de forma a ter tempo de se despachar antes de ir para o trabalho.Para ela,para aquela miuda sozinha,de cabelo rebeldemente despenteado ali naquele quarto,o mundo girava ao contrário,as horas não importavam.Importava o tempo que lhe sobrava para viver o seu próprio mundo de magia,até regressar ao mundo real.E quantas vezes isso significava voltar à Terra com as olheiras mais profundas que o seu pensamento...
Não era nada de especial,não era tão diferente quanto isso.
Era apenas uma miuda com insónias.

Imortal

Não abriste a boca,não moveste os teus dedos.Li nos teus gestos invisiveis que deveria partir noutra direcção.Podias ter salvo esta alma ansiosa,mas reenviaste-a ao inferno,hoje senti a pele queimar novamente.Senti falta dela.Senti falta da droga.Senti-me viva por instantes,embora morta.
10 meses desde que passei o purgatório clandestinamente.
7 meses desde que deixei o paraíso para me atirar ao inferno,às trevas.7 meses desde que voltei à Terra.
O meu comboio apita partida,está na hora de regressar.
Foste um anjo que me encaminhou,agradeço-te pelas palavras,mas não resulta.
Na verdade os teus momentos de silencio são iguais aos que senti no inferno,na fogueira,as cores eram diferentes,a dor incomparavel,mas estiveste perto.
Não podias,o impossivel é o nada,e eu sou ninguem,fui às trevas e voltei.Ou então não...Ou então na verdade nunca regressei...
Menti quando disse que a minha vida era outra,que tinha tirado o meu unico demónio da cabeça,ele sou eu.A minha mente e o meu corpo,há coisas que são para sempre.
Já não faz parte da minha vida,hoje faz parte da minha morte.
Para sempre.