Diário de uma Paixão

domingo, março 28, 2010

A dor do coração

A dor no coração,que será isso?Já me perguntei se seria esta dor ao respirar,quando faço força para conter o choro.Quando faço força para não chorar à frente das pessoas que amo,mesmo quando me fazem sofrer.É a vida.
Quando estou no sofá gasto que cheira a mofo e a vómito,faço força para não chorar quando ouço "não"."Não",não vou contigo a lado nenhum nem vou fazer um esforço só por ti,porque não vales a pena o esforço."Não",não vou chorar à frente de ninguém,vou faze-lo sozinha.Não vou dar parte fraca,não vou ser igual aos que me magoam,"não".Não valho nada é verdade...Fui a filha mais imperfeita porque fui sossegadinha e tomei o lado da minha mãe e não do meu pai,fui a pior filha porque sempre tirei as melhores notas e nunca me meti em drogas nem fiz sexo sem preservativo.Fui a pior filha porque tentei ser perfeita,ao contrário dos meus pais,que não tentaram sequer.
É uma dor dentro do peito e do estômago que chega a apanhar a garganta,se é no coração não sei.
Continuo a ser a pior filha,porque não visito os meus pais regularmente,e porque quando lá vou me dão silêncio.Não me recordo de me perguntarem com voz de perguntar e querer saber,se estou bem,não me recordo de me perguntarem que notas tive,nem como me corre o trabalho.
Sou a pior filha com uma dor de ausências no coração,mas ainda assim tive um 19,1.

Parabéns a mim.

sábado, março 27, 2010

O outro lado

Gosto do barulho das ruas,seja onde for.Sempre o apreciei.
Começou por Cascais,quando saía sozinha sem saber para onde.Não havia muito por onde escolher,então seguia quase sempre o mesmo aroma até me sentir confortável o suficiente para cessar a minha busca.A busca do ser,alguns lhe chamam,eu chamava-lhe caminho para casa,e a casa nunca era uma casa,era um cheiro,um liquido,uma musica.Ia sempre parar ao mar e à areia,ou à grande cidade.Saboreava cada kilometro que o comboio fazia,cada paragem,cada personagem que entrava na carruagem e a cada uma delas pressentia o descarrilamento.Imaginava o que seria de mim ao morrer ali,quem sentiria a minha falta,o país que ainda não tinha visitado,a areia que ainda não tinha pisado,o shot que ainda não tinha bebido...Aquelas coisas que claramente toda a gente pensa quando faz uma viagem de 40 minutos.Ou não.
Sempre foi assim,ainda não sabia ler e já acordava para me sentar na beira do sofá a perguntar ao abanar das árvores a meteorologia.Engraçado,eu tinha a minha própria meteorologia na cabeça,estava sempre frio e cinzento,sempre com uma pontinha de sol que não chegava ao orgasmo,sempre um santuário vazio algures em Tóquio que aguardava a minha chegada.
Gosto do barulho dos carros no piso molhado e do tom enevoado com que as pessoas vão falando na rua,enquanto imagino as suas vidas desde os seus traumas às suas noites loucas de sexo.Sinto-me promiscua e especial,sinto-me esquecida no mundo,ou simplesmente fora do meu tempo.
Descrevo lentamente assim como quem espreme uma laranja,mas não deito cascas fora,que desperdício deitar pormenores ao lixo!Eu vivo para os pormenores.No meu ver a minha vida é um filme sem realizador,a minha vida resume-se ao saco de plástico de supermercado a esvoaçar contra uma parede,a fazer amizades com folhas de Outono.O meu filme não seria um Fernando Pessoa,porque eu sou só uma e só eu sou completa.Nunca consegui dividir-me em gomos,nem mesmo preencher um copo de sumo.Sou uma espécie de colher sem conteúdo.
Há instantes que passam depressa demais e este é um deles,tive um vislumbre fugaz da existência do todo.
Todo o ser pode morrer se assim o estiver,bem esclarecido acerca da existência do seu próprio mundo.
Penso naquela remota possibilidade que vou ter de um dia me sentar no baloiço de jardim a escrever sem pensar em horas ou vícios,sem pensar no que está fora do meu boletim meteorológico.Uma espécie de Joe Black sem corpo de Brad Pitt. Fico parada na minha cabeça enquanto as pernas vão andando desengonçadas como que empurradas pelo vento,e fujo daqui para fora para o final dos anos 60,a ouvir Led Zeppelin vestida de caxemira de florzinha no cabelo.
Era tão bom...Se ao menos houvesse mais paredes cor-de-rosa nas ruas do mundo como há no meu mundo.
Era tão bom...

quinta-feira, março 25, 2010

O puto e a rã

24 anos fresquinhos e um carro em segunda mão a estrear.Nunca um Fiat Punto tinha sido tão venerado.
Era uma tarde de Julho e o calor deslizava pelos vidros como espuma numa imperial,tornava-se impossível ver com nitidez o caminho seco que se seguia pelo meio das pedras e da poeira daquela santa terrinha próxima de Chaves.Não havia nenhuma sobrevivente nas garrafas de água embaciadas que jaziam no carro,e o bocejar constante levou-o a parar.Havia um miradouro próximo,com vista para um campo de golfe,mas ainda assim naquele sitio de coisas mortas e selvagens,tudo parecia longe como uma miragem,e estava de facto longe de ser um deserto.
Aquele barulho que se ouve nas fontes artificiais das lojas de decoração quebrava a temperatura de repente,de onde viria?Longe,pensou ele,com certeza.Na esperança sarcástica de estar errado caminhou mais um pedaço de longitude para dentro daqueles bosques,talvez apenas pela sombra sedutora que possuíam.
Tudo parecia em sépia,ou como nos filmes de Tarantino,pouco falso,pouco real.Em segundos só viu o volante a bater-lhe contra o nariz e a cor vermelha à sua frente,ouvia-se um barulho irritante e agudo que não parava,e de repente tudo era negro.Sucumbiu ao calor daquele dia de Verão e não parou a tempo,mas era como se sonhasse,não compreendia como era possível ter batido com o carro numa árvore tão gorda,era impossível não a ver,era absurdo!Pois é...Acontece aos melhores.
Há sempre partes dos pesadelos que são realmente reais,talvez não a cores e em directo,não me lembro de alguma vez ter tido um sonho a cores,mas há coisas reais neles,esses malditos,os sonhos.
Coitado do Punto,ficou enterrado numa espécie de lago lamacento no meio do arvoredo e tira-lo de lá não estava para breve.Restavam-lhe 7 pecadoras horas de conversa com a rã que não calava,até ao nascer do Sol,e assim foi.
A rã foi a sua irritante e única companhia na espera pela luz do dia e sua saída dali para fora.Qual trânsito,qual poluição...Havia natureza em forma viva,mais que viva!Estava dentro dele,misturada com o seu sangue.Era ela dentro dele e vice versa,estava vivo pela primeira vez,e por instantes quase foi sapo,mas tudo acaba e o dia acabou por regressar,levando quase por impulso o quase-que-sapo de volta à sua cidade cinzenta,e a rã de luto por sua falta,continuou o seu canto sem cessar,até uma outra noite,em que os sonhos o trouxessem de volta ao único sitio onde era inteiro.

...E noite após noite o rã continuava o seu luto enquanto aguardava o regresso do miúdo.

domingo, março 21, 2010

A escada preta

Os sonhos são um assalto aos desejos mais obscuros do corpo.
Quando era criança,sonhava constantemente com escadas em caracol e um quarto branco,e hoje em dia sonho com crianças,escadas rolantes e estações de comboio.
Sou tão simples que até o meu subconsciente tem dificuldade em mandar-me metáforas.
Ainda espero a cada inicio de ano que o carrossel dê uma volta de 180 graus no sentido dos ponteiros do relógio mas o champanhe rebenta e a espuma demora a subir...
O diabo,é um papagaio que anda no ombro de quem o ouve,mesmo que não lhe responda.
Eu desço a escada tropeçando em penas vermelhas quentes,e o espaço é cada vez mais apertado para subir degraus.Bato com a cabeça no tecto e caio por ali abaixo deixando riscos metalizados na escada preta.As minhas unhas quebram ao impulso da velocidade da queda.
O sonho é o amanhã com risos de miúdos e areia branca e o ladrar das nuvens no céu azul fluorescente.
O sonho é o amanhã do outro lado do espelho,deste lado não há contas de multiplicar,e os grãos de areia não aumentam.

terça-feira, março 09, 2010

Massoterapia

E quando dás por ela já não és criança.Já não tens a mamã a dizer-te que és a menina ou o menino mais bonito do mundo,porque já não és menino,e já não podes olhar-te ao espelho com a certeza que és bonita.
Um dia acordamos como se tivéssemos adormecido durante anos,e voltamos a sentir vontade de brincar com bonecas,e giz,e terra.Um dia já não temos credibilidade para sujar as mãos de lama e os pés de massa para bolos com raspa de limão.
E quando dás por ela estás a construir-te,e tens momentos em que te enojas,e momentos em que sentes orgulho do que és.Tens orgulho de ter sujado as mãos,e ter sujado a garganta,e os neurónios.Sabes que valeu a pena,e que o caminho é cheio de pedras e lombas e gigantes amaldiçoados que vivem só na tua cabeça,mas o que interessa afinal,é continuar.Cair e levantar,levar e trazer.
Os adultos são essa mistura de fobias e tristezas,mas também de força.A força que não tinham em crianças.A força que não surgia com álcool evaporado,a força que tinham medo de aplicar por causa dos pais.É tão difícil errar,é tão complicado desiludir...Eu que o diga.
Quero um dia sujar as mãos de óleo de amêndoas doces e ajudar o mundo a sorrir.

Tudo tem um rótulo,e raios me partam se eu não terei um também!

sábado, março 06, 2010

A janela sem vidro

É verdade que faço muitas perguntas,é.Se acabo sem resposta é outra história,ou então é porque faço muitas perguntas e dou poucas respostas.Era bom se tivesse um grilo falante a responder-me a todas as questões sujas que vão surgindo pelo caminho.Longo e árduo é o caminho,dizia ela.Dizia ela tanta coisa...
No fundo do copo eu sabia que este dia era mais do que o dia em que ia finalmente acordar e levantar-me mesmo sem objectivo.Tudo começa quando se ganham hábitos,ou não?Secalhar é por falta de hábito,ou coisa do género.Eu sabia que por detrás do vidro é o dia que era,e é um dia de desistências,acima de tudo.Um dia de 10 horas seguidas de fingimento e mais umas quantas de desilusão,e mais umas quantas a combater sonos mal dormidos e perguntas mal respondidas.
Nasci perto do mar.Tenho saudades de sentir a maresia próxima do meu coração,fazia-me bem.O mar e o seu brilhozinho triste de luar a fazerem amor na areia.Coisas pirosas,e gomas.Aquele ácido que quase por segundos nos faz pessoas felizes e faz esquecer o frio e a humidade que perfura os ossos e seca os lábios.
Os lábios cortados são uma espécie de cristal,não são?São sim senhor.São cristal em pele e carne quente.O cristal é uma forma bonita de dizer vidro caro.
9:00 da manhã é uma hora tão mesquinha para ser verdade,que quase parece mentira,quando olho no vidro das janelas e dos copos e das pequeninas molduras com fotos de gente conhecida.
Quando olho esses vidrinhos riscados e frágeis e me lembro que é dia 5 de Março,e custa como o caralho sair para partir vidros com o meu sorriso falsificado.
O custo é sempre subjectivo quando não se sabe o significado do fácil.Difícil é saber que falta tanta coisa e já houve um dia em que tudo se resolvia quando eu conseguia ver por detrás do vidro.