Conheci uma miuda chamada Sara na véspera de Natal,tem 11 anos e sardas,usa botas e vestidinhos de mulherzinha pequena e um sorriso contagiante.
A Sara vive com a avó,uma senhora jovem que lhe dá aquilo que pode,e tenta dar aquilo que nunca vai poder.O pai dela,tem mais uns quantos filhos espalhados por aí,e quando a fez,fez tambem uma irmã gémea,que ficou a viver com a mãe.Que ricos pais,pensei eu ao vê-la abrir as prendas tão caladinha.A melhor prenda que teve foi a da mãe,uma caixa de maquilhagem da Hello Kitty.A Sara não abriu a boca para dizer uma palavra,só para fazer um "Ah" de espanto e largar um sorriso,como se a mãe viesse dentro daquela caixa.Qual quê...Onde é que andaria a mãe naquela hora.Do pai,prendas nem vê-las.Esqueci por completo as minhas prendas,e o sorriso de agrado a quem me ofereceu alguma coisa.Por momentos fui Sara,sozinha,enfiada na cadeira com o estojo de maquilhagem ao lado da avó.Ficou calada talvez durante horas,mas toda a gente dizia que era sono.Eu cá acho que era falta de mãe.
Noutra ocasião de familia,conheci o pai da Sara,com a sua mulher e filha bebé."Que rico pai",pensei eu mais uma vez,mas fiz um esforço para não julgar,até me aperceber que ele só olhava para uma das filhas ali presentes,e não era a que eu conhecia.Uma tarde inteira,e ele não olhou para ela uma unica vez enquanto ela corria pela sala sorridente aos beijos a toda a gente,nem uma unica vez de relance.A miuda tem a cara dele,o cabelo,a altura...Não direi o brilho,porque da parte dele o unico brilho que vi foi o do cabelo excessivamente empregnado de gel,e do seu casaco de pele falsa,como ele.
Em poucas horas me apercebi que homem não merecia o meu respeito,e para mal dos pecados dela,nem da filha.A Sara é a miuda mais bonita,simpática e inteligente,e nem com todas estas qualidades o pai foi capaz de olhar para ela.Eu pergunto-me como é que ela se vai sentir um dia quando crescer mais um bocadinho,e tiver os rapazes a querer mais dela do que ela vai querer dar.Inferior,sem auto-estima.Tem um mundo de possibilidades pela frente mas ninguem para lhe mostrar o que é uma verdadeira familia,nem pai nem mãe para ir às reuniões da escola ou se orgulhar dela quando entrar para a faculdade.
Quando se foi embora,foi dar um beijinho a cada uma das pessoas que lá estava,e não eram poucas,aliás diria até que eram demais,e quando se aproximou meio ao medo,do pai,este nem olhou para ela,só se baixou para que ela lhe pudesse chegar à cara.
O mundo está a tornar-se mais escuro todos os dias,e eu gostava mais do Outono quando era criança do que agora.Longa se torna a espera e curta a esperança,de algum dia poder ter uma familia.
Custa-me secretamente,ver na Sara a filha que eu nunca vou ter.