Diário de uma Paixão

sexta-feira, agosto 11, 2006

A menina de vidro

Era uma vez uma menina de cidade,que toda a vida desejou ser transparente,para poder passear-se por entre as pessoas no meio da rua,e dançar à luz do dia como se fosse noite.Assim,transformava o Sol em Lua e os seus sonhos em realidade,roubaria os pensamentos das pessoas,como aquela velhinha que escrevia cadernos sem conta no café da sua rua,e que ela,curiosa sempre quis saber o que diziam.Se fosse transparente,poderia descobrir os segredos da senhora,e assim ajuda-la,ou simplesmente matar a sua curiosidade.
Um dia,a menina foi dormir e sonhou como nunca havia sonhado antes,sonhou que finalmente todo o seu corpo basso de vidro riscado seria transparente,tão limpo e brilhante que quando passava,mesmo não a vendo as pessoas ficavam felizes.A velhinha do café rasgou os seus cadernos e sorriu,nunca a tinham visto sorrir em anos,apesar de não saberem de onde vinha,toda a gente sabia que era uma senhora inteligente mas sofrida,tinha eventualmente vivido uma vida de mágoa,ou algo lhe tinha acontecido que a havia magoado.A menina tinha passado a vida inteira à espera deste momento,não queria mais acordar,fez trinta por uma linha para se manter dentro deste sonho surrealista e conseguiu.Era a sua vida,ninguem a via,ninguem lhe tocava,mas ela à sua maneira tocava toda a gente,trouxe luz a uma cidade onde se vivia na sombra.À medida que o tempo foi passando a menina apercebeu-se que não era feliz,apesar de trazer a felicidade a toda a gente,ninguem a via,ninguem lhe dava valor,ninguem conseguia fazer o que ela conseguia,e tornou-se infeliz.O seu brilho foi desaparecendo aos poucos,o seu vidro cristalino e transparente foi substituido por um vidro basso e negro,do qual todos aqueles que ela tinha ajudado fugiam.Infeliz e aparte de toda a doçura que outrora trouxe ao mundo,a menina escondeu-se na floresta e decidiu que nunca mais alguem a iria ver,pediu a Deus,aos anjos,e qualquer coisa divina que a fizesse acordar,mas não conseguia,ninguem a ajudava.Após tanto tempo a tentar descobrir o porquê,de ninguem a ajudar,já que a tinham ajudado a entrar neste sonho,alcançou uma grande verdade a que jamais noutras circunstancias teria chegado.Por muito que a vida parecesse injusta,por muito que lhe custasse ver a senhora do café infeliz,por muito que não pudesse fazer muito para eliminar o sofrimento dos outros,por muito que não conseguisse ver pensamentos,ela era real.Todos podiam toca-la,podiam beija-la,podiam dizer-lhe "obrigado" quando ela oferecia o ombro para que chorassem.Agora não,tinha perdido isso tudo para trazer felicidade a uma gente que nem lhe agradeceu,tinha-se perdido daquilo que a fazia feliz para poder dar aos outros a oportunidade de ver luz.

--Acorde menina,está bem?

--Olá... - Dizia a menina um pouco tonta ao olhar o empregado do café.

--Quer que lhe traga um suminho?Está tão pálida que até assusta.

A menina não disse mais uma palavra,tinha acordado,tinha voltado à cidade de sombra onde vivia mas onde conseguia ser vista,onde até o empregado do café reparava quando estava pálida,não era mais a menina de vidro,vestia um vestido azul cor de céu e levava uma fita branca cor de nuvem no cabelo,sorriu como nunca tinha sorrido em toda a sua pequenina e frágil vida.Levantou-se e aproximou-se da velhinha,nunca lhe tinha falado com receio do seu ar concentrado e triste,por vezes até zangado,com a vida talvez.A verdade é que nem "boa tarde" alguem lhe havia dito,a menina sentou-se subtilmente ao lado dela e perguntou:

--O que tanto escreve nesses cadernos?

A senhora ao medo,com um ar algo surpreendido pela presença angelical da menina respondeu sorrindo:

--Um mundo que já não posso ter.

Todos os dias à mesma hora a menina aparecia no café e sentava-se na mesa na senhora,era a unica pessoa que conseguia trazer um sorriso àquela senhora de idade já de face enrugada.Ficou a saber que a senhora havia tido uma filha como ela,uma menina branquinha como a neve que sonhava em trazer um sorriso ao mundo inteiro.E que a tinha perdido por culpa de uma doença muito má,que não explicou porque segundo ela,"ainda és muito pequenina para entender".Ao ganharem empatia tornaram-se quase dois seres fora do mundo real daquele café de cidade,faziam perguntas uma à outra que não queriam responder,então,arranjavam sempre solução para se escaparem do que fugiam.

--Diz-me,que queres ser quando fores grande?
--Quero um mundo que já não posso ter.

Fim.

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