557
Não consigo chorar.Descobri isso há cerca de uma semana no funeral do meu avô.Apesar de não o ver desde os 15 anos,e da raiva ser tão grande,e o remorso,custou-me acordar com o choro da minha mãe que me dizia "Cátia acorda,aconteceu o pior".Secalhar teria sido melhor que ela tivesse dito "olha filha,o teu avô morreu.Eu tenho noção que te vais sentir culpada,mas tens de ter calma,estas coisas acontecem e nós já estavamos à espera." pois assim talvez de choque tivesse chorado.Não aconteceu.Levantei-me como se nada fosse,abri as persianas,liguei o computador,embora não tenha respondido a ninguem que me viesse falar,fui tomar banho,almocei (que diga se de passagem é coisa que nunca faço,não é habito almoçar cá em casa) e fui para o velório com o unico pensamento que teria de enfrentar pessoas que não via há anos,e que me magoavam,me desejavam mal,e a quem eu odiava por natureza desde que nasci.
Ele não.O meu avô era o homem mais sábio que eu alguma vez poderia ter conhecido,foi mais pai que o meu proprio pai,e os unicos momentos felizes na infancia que posso ter na memória foram passados com ele.Podia descrever agora minunciosamente a igreja,as pessoas e o olhar delas de desprezo,o teatro daqueles que lá foram derramar umas lágrimas e uns gemidos falsos,o tempo chuvoso que se registava nesse dia,o olhar dos meus pais ao verem que todos choravam até eles menos eu,como se de uma desilusão se falasse "a minha filha nem pelo avô chora." enfim...Podia descrever isto tudo em mil posts,mas não o vou fazer porque não vale a pena.Passei a tarde inteira à procura de coragem para ir olhar para o corpo daquele que talvez me amou e mais bem me quis na vida.À noite,quando fechavam a capela,eu aproximei-me e tirei o pano que o cobria,sob o olhar atento de critica dos que lá estavam,e dei-lhe uma festinha na testa.Estava frio,amarelo e magro...Apesar de ser uma pessoa com bastante idade na ultima vez que o vi e de já estar doente,não era a visão que tinha do meu avô.Mas ainda assim permanecia a mesma expressão sorridente que ele usava constantemente,até quando dormia,e que eu orgulhosamente observava e gostava de gabar "aquele senhor inteligente e viajado,smpático,é o meu avô."
Naqueles breves segundos que pareciam anos vi toda a minha vida passar-me pela cabeça,vi todos os erros,todo o ódio,todo o amor,tudo que me foi importante e que me houvesse tocado em 19 anos.Rezei para que uma lágrima caísse,rezei para que toda aquela gente cinica desaparecesse,rezei para que os anos andassem para trás.Eu sou ateia,não rezo.
Toda uma vida me passou pela frente como uma estrada.E eu ali permanecia fria como uma pedra,fria como ele estava ali estendido.
No funeral todos me vieram cumprimentar e todos diziam as mesmas palavras como se de uma obrigação se tratasse "os meus sentimentos".A vontade que mais tinha naquele momento a cada pessoa que me vinha falar era dizer "deixe-me em paz!" eu não preciso de chorar para demonstrar que estou triste,eu não preciso de usar preto para demonstrar que estou de luto.Devem ter pensado "aquela está de preto porque está de luto" porque nem sequer me conhecem,a ultima vez que me viram andavam comigo ao colo.Eu ando quase sempre de preto.
Vi a gaveta a fechar-se como se falasse,como se me dissesse "não te preocupes,não te sintas assim,eu estou melhor agora já não sofro,e continuo a gostar de ti como antes,és a minha unica neta e a maior alegria da minha vida" como ele costumava dizer.E entretanto dizia-me adeus chamando-me de gaiata,e falando em lingua dos p's,ele falava como ninguem...
Tenho medo de o desiludir,tenho medo do que faço.Será que ele se sentiria orgulhoso se soubesse que a neta,a menina dos olhos dele,ainda não tirou a carta,e teve de deixar de estudar para trabalhar porque as coisas estão dificeis?Ou se sentiria culpado porque sempre me quis dar tudo e a uma certa altura o tudo parecia nada?
Sinto-me triste,tenho saudades...como eu odeio esta palavra.
E assim a gaveta fechou para sempre,colada com uma cola especial que aqueles homens de preto lhe puseram,apenas com uma anilha dourada para se ir por flores.Ele adorava flores.Não chorei.Fiquei ao longe a observar aquilo tudo com os olhos a arder do sol,no fundo daquela gente toda cinica,a pensar se algum dia me ia voltar a sentir bem,se é que alguma vez o senti.E a gaveta lá fechou.Igual a todas as outras,branca fria e desprendida de quaisquer sentimento.Era a numero 557.
Ele não.O meu avô era o homem mais sábio que eu alguma vez poderia ter conhecido,foi mais pai que o meu proprio pai,e os unicos momentos felizes na infancia que posso ter na memória foram passados com ele.Podia descrever agora minunciosamente a igreja,as pessoas e o olhar delas de desprezo,o teatro daqueles que lá foram derramar umas lágrimas e uns gemidos falsos,o tempo chuvoso que se registava nesse dia,o olhar dos meus pais ao verem que todos choravam até eles menos eu,como se de uma desilusão se falasse "a minha filha nem pelo avô chora." enfim...Podia descrever isto tudo em mil posts,mas não o vou fazer porque não vale a pena.Passei a tarde inteira à procura de coragem para ir olhar para o corpo daquele que talvez me amou e mais bem me quis na vida.À noite,quando fechavam a capela,eu aproximei-me e tirei o pano que o cobria,sob o olhar atento de critica dos que lá estavam,e dei-lhe uma festinha na testa.Estava frio,amarelo e magro...Apesar de ser uma pessoa com bastante idade na ultima vez que o vi e de já estar doente,não era a visão que tinha do meu avô.Mas ainda assim permanecia a mesma expressão sorridente que ele usava constantemente,até quando dormia,e que eu orgulhosamente observava e gostava de gabar "aquele senhor inteligente e viajado,smpático,é o meu avô."
Naqueles breves segundos que pareciam anos vi toda a minha vida passar-me pela cabeça,vi todos os erros,todo o ódio,todo o amor,tudo que me foi importante e que me houvesse tocado em 19 anos.Rezei para que uma lágrima caísse,rezei para que toda aquela gente cinica desaparecesse,rezei para que os anos andassem para trás.Eu sou ateia,não rezo.
Toda uma vida me passou pela frente como uma estrada.E eu ali permanecia fria como uma pedra,fria como ele estava ali estendido.
No funeral todos me vieram cumprimentar e todos diziam as mesmas palavras como se de uma obrigação se tratasse "os meus sentimentos".A vontade que mais tinha naquele momento a cada pessoa que me vinha falar era dizer "deixe-me em paz!" eu não preciso de chorar para demonstrar que estou triste,eu não preciso de usar preto para demonstrar que estou de luto.Devem ter pensado "aquela está de preto porque está de luto" porque nem sequer me conhecem,a ultima vez que me viram andavam comigo ao colo.Eu ando quase sempre de preto.
Vi a gaveta a fechar-se como se falasse,como se me dissesse "não te preocupes,não te sintas assim,eu estou melhor agora já não sofro,e continuo a gostar de ti como antes,és a minha unica neta e a maior alegria da minha vida" como ele costumava dizer.E entretanto dizia-me adeus chamando-me de gaiata,e falando em lingua dos p's,ele falava como ninguem...
Tenho medo de o desiludir,tenho medo do que faço.Será que ele se sentiria orgulhoso se soubesse que a neta,a menina dos olhos dele,ainda não tirou a carta,e teve de deixar de estudar para trabalhar porque as coisas estão dificeis?Ou se sentiria culpado porque sempre me quis dar tudo e a uma certa altura o tudo parecia nada?
Sinto-me triste,tenho saudades...como eu odeio esta palavra.
E assim a gaveta fechou para sempre,colada com uma cola especial que aqueles homens de preto lhe puseram,apenas com uma anilha dourada para se ir por flores.Ele adorava flores.Não chorei.Fiquei ao longe a observar aquilo tudo com os olhos a arder do sol,no fundo daquela gente toda cinica,a pensar se algum dia me ia voltar a sentir bem,se é que alguma vez o senti.E a gaveta lá fechou.Igual a todas as outras,branca fria e desprendida de quaisquer sentimento.Era a numero 557.
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